Uma mão cheia de tempo: YEPSEN(s)


by Maria Inês Mendes, January 2025



Yepsen, termo inglês medieval que dá título à exposição de Pedro Tudela e Sérgio Fernandes, refere-se à posição das mãos quando colocadas em concha. Trata-se de uma unidade de medida que descreve o volume passível de ser contido neste espaço entre as mãos. Não desinteressadamente, a exposição inicia-se com Yepsen (2024), uma fotografia de Pedro Tudela. Mas estas mãos chegam-nos vazias: o seu conteúdo, volátil, terá escapado por entre os dedos. Estas mãos, porta de entrada para a exposição, trazem-nos somente uma mão cheia de tempo – não fosse o tempo, afinal, a única unidade de medida da vida.

Em YEPSEN(S), o trabalho dos dois artistas é colocado em diálogo, numa relação fértil de contaminação e de afetação mútua. Resultado de uma extensa investigação sonora, as peças de Pedro Tudela apresentam uma reflexão sobre a materialidade do som. Os discos de vinil e o pentagrama da notação musical – evidências materiais do som que pontua o espaço da galeria – são, aqui, repetidamente evocados. Estes elementos surgem em % (static) e em ~~~~~, mas são também recuperados em I´LL N´Y A PAS DE MOUVEMENT SANS RYTHME, de Sérgio Fernandes. Num jogo de afinidades entre o dentro e fora de tela, esta exploração sonora parece encontrar reverberações no interior das pinturas de Fernandes, sugerindo as cadências rítmicas intrínsecas ao processo da pintura. Refiro-me a um ritmo corporal, indissociável do gesto de quem pinta diretamente com a mão, mas sobretudo a um ritmo da matéria – esse, que dita a cristalização das marcas do processo, a oxidação, o escorrimento e o empastamento da tinta a óleo.

Ainda que distintos, estes dois corpos de trabalho compõem uma mancha inusitadamente coerente. Identifico uma estrutura rizomática que lhes é comum, um desdobramento subterrâneo de uma espécie de consciência temporal latente. A pintura de Sérgio Fernandes, tão visceral quanto nebulosa, convoca um tempo demasiadamente humano, violentamente fugaz. É um tempo assente apenas na continuidade do HEARTBEAT, que opera num estado limiar entre a vida e a morte, o sangue em fluxo e o sangue estático, coagulado. Da mesma forma, também % (static), de Pedro Tudela, sugere a fragilidade deste tempo. O som da estática, que assinala o início e o fim de um disco de vinil, representa um compasso de espera – imprevisível, incessantemente errático – entre o que ainda não começou e o que acaba de findar. Estar vivo é também estar em estática, suspenso entre um início e um fim, acompanhado por um ruído ininterrupto, desconcertante e, simultaneamente, impenetrável.

Entre as peças apresentadas em YEPSEN(S), há apenas uma que aparenta divergir do conjunto. Disposta no fundo da galeria, TEMPO parece, no entanto, concentrar em si o essencial da exposição. Esta peça, composta por antigas bandeiras de vigilância marítima sobre as quais foi escrito ‘TEMPO’, reflete o efeito do tempo sobre a matéria. Os ventos e a contínua exposição solar foram responsáveis pela progressiva degradação deste tecido: queimado, desfiado, corrompido pela passagem de mais uma época balnear. O título da peça, quase autoexplicativo, traz consigo a confirmação de que o assunto desta exposição é, de facto, matéria temporal. Com uma atenção singela ao detalhe, YEPSEN(S) recupera um tempo fugitivo, acidental: o da impermanência das lâmpadas LED, em TIALTNGO; o da corrosão da matéria no entretanto do tempo. Porque é precisamente neste intervalo – esquecido no fluxo frenético da vida – que essa mão cheia de tempo se esgota.
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